Na vida vamos deparar-nos muitas vezes com paradoxos. Um deles é a necessidade de ajuda e a dificuldade em pedir essa mesma ajuda. Se precisamos de ajuda, se até sabemos onde a podemos encontrar, porque não corremos rapidamente, hoje, já, na sua direcção?
Porque é que nos filmes de terror, sempre que há uma personagem ameaçadora a entrar em casa, a vítima corre sempre para debaixo da cama, para um armário sem saída, em vez de correr para uma outra porta, ou janela (nas tradicionais casas de filmes americanas há geralmente meia-dúzia de janelas no rés-do-chão!), porque é que as personagens perante o terror nunca vão para fora e sim ficam dentro do espaço de terror, em locais onde sabemos que dali a dois minutos serão encontradas? Porque é que nos filmes em que há uma chantagem, nunca ninguém recorre às outras quatro possíveis personagens (geralmente bem colocadas na trama para serem capazes de resolver o assunto) para contar da chantagem e a questão resolver-se? Nos filmes sabemos bem porquê: para fazer adensar o argumento, para fazer “render o peixe”, porque senão o filme acabava ali!
Mas e na vida…? Porque é que na vida quando sentimos terror, medo, tristeza, nos fechamos no espaço em que esta existe, nesse mesmo armário ou debaixo da cama, em vez de procurar ajuda fora? Porque é que nos deixamos cair na chantagem que o nosso medo, a nossa culpabilidade ou a nossa tristeza faz connosco, em vez de procurar aliados contra ela? Porque é que deixamos esse argumento adensar, deixamos “render o peixe”, até o perigo ser tão maior?
Porque é que não pomos um travão nesse terror, nesse medo, nessa tristeza enquanto ainda conseguimos? Porque é que pedir ajuda é tão difícil…?
Pedir ajuda é difícil porque exige de nós o reconhecimento do problema, e a noção de que sozinhos não somos suficiente. Pedir ajuda é difícil porque é depender de algo ou alguém que está fora de nós, e que por isso nos é desconhecido, não controlamos e nos dificulta por um lado confiar e por outro antever se vai resultar. Esses passos são particularmente difíceis quando estamos no meio de uma situação que nos está a deixar frágeis, vulneráveis. Altura essa que por definição activa todas as nossas protecções, como aqueles botões escondidos na parte de baixo dos bancos para quando entra um ladrão.
O momento da ajuda é um momento paradoxal, em que as nossas grades internas se montam todas para nos defender das ameaças externas e ao mesmo tempo é o momento em que precisamos comunicar com alguém do lado de lá dessas grades para que as grades já não sejam precisas. Por isso, se já sentiu ou sente dificuldade em pedir ajuda, esteja descansado. Como acaba de perceber, tem uma razão de ser e provavelmente já todos passámos por isso. Mas no nosso filme interno, do qual somos realizadores, podemos agora usar esta noção a nosso favor. Encontrar essa porta ou janela em direcção à casa do vizinho e deixar os ladrões para uma segunda fase de resolução, contar da chantagem e ter ajuda para diminuir os danos que o chantageador possa causar, ver, por entre o quadriculado das grades, onde está uma pessoa para nos dar a mão e saber aquilo pelo qual estamos a passar e ajudar a chegar um plano de resolução.
Mas há ainda, dentro desse medo do contexto externo o medo do olhar dos outros sobre nós. Que olhar tão poderoso é esse? Que olhar tão poderoso é esse ao ponto de parecer pior do que enfrentar o agressor que temos em casa ou o chantageador, ou a prisão que montamos dentro de nós? Será apenas uma questão de confiar no outro? Não. Esse olhar o que tem de tão poderoso não é mais do que o espelhar das nossas fragilidades… O mostrar o rosto do agressor, a voz do chantageador, a espessura das nossas grades. Isso é que nos assusta no olhar alheio. Na realidade não é o outro, aquele que nos vê, que se assusta com a nossa fragilidade. Somos nós. Somos nós que ao vermos as nossas fragilidades reflectidas no olhar alheio nos assustamos. Na realidade não é o outro, aquele que nos vê, que nos julga e nos censura, somos nós. O não sabermos como lidar com essas fragilidades, o medo de sucumbirmos a elas assusta-nos. Por isso não aguentamos essa partilha de fragilidades e nos fechamos nessas grades, numa concha. Mas o problema das conchas é serem um lugar solitário, por um lado, e com pouco espaço para a resolução por outro.
Mas há o minuto mágico. O minuto seguinte a termos feito tudo isto: a termos corrido e saído pela porta ou pela janela para casa do vizinho, a termos contado a quem confiamos que estamos a ser chantageados, a sussurrarmos a quem passa por entre as grades, a termos falado com um psicólogo. Nesse minuto, em que fizemos aquilo que parecia tão assustador, percebemos que estamos mais longe do agressor, que estamos menos vulneráveis ao chantagista, que estamos menos sozinhos dentro das grade, e que, afinal, o tal reflexo nos olhos do outro é pouco nítido, porque mais nítido é o olhar do outro, o seu olhar empático com o nosso sofrimento, o seu olhar compreensivo perante a nossa angústia, o seu olhar cúmplice na procura de uma solução. No minuto mágico renasce a esperança.