Querermos casar com o pai ou com a mãe é uma forma de falarmos de como o contexto nos molda a um ponto tal que deixamos de ver o molde de tão colado à nossa retina que ele está. Somos influenciados pelo contexto próximo desde que nascemos, é ele que conhecemos bem, e consequentemente é nele que nos sentimos à vontade, que sentimos melhor controlo uma vez que facilmente prevemos o que pode acontecer. Por exemplo: todos sabemos certamente antever a reacção dos nosso pais a uma determinada noticia/convite, já prever essa mesma reacção de alguém que vemos uma vez a cada cinco anos, já não é tao simples.
Nas relações, o mesmo acontece, são as primeiras e mais próximas relações que nos dão essa mesma “familiaridade” com alguém, com um certo tipo de personalidade. Essas pessoas tendem a ser os pais, ou qualquer que seja a figura que tenha desempenhado esse papel de cuidador (avós, pais adoptivos, etc.). Essas primeiras relações criam uma espécie de “molde” para as seguintes, desde a forma como fomos ensinados a comer à mesa: serve-se primeiro ou serve as outras pessoas primeiro? Porquê? Porque os seus pais diziam que era assim? Ou porque eles faziam assim em sua casa? Ou por oposição – porque em sua casa se fazia o contrário? Se calhar nunca parou para pensar nisso, estas coisas são tão banais e veem connosco automaticamente há tanto tempo que nunca paramos para prestar atenção. Como reage numa discussão? Fica furioso e ataca? Recua, e evita a discussão? Acalma e tenta apaziguar o outro lado? Tudo isto aprendemos com o nosso primeiro molde. E aprendemos da forma como todas as crianças melhor aprendem: não por ensinamento mas pelos exemplos à frente delas.
Quer porque repetimos o lugar que tínhamos perante os nossos pais, quer porque copiamos as reacções deles, quer por antagonismos, exigindo de nós sempre o contrário deles, estamos sempre a seguir o molde deles. A questão aqui é que os nossos pais são feitos de bom e de mau, e quando são eles os nossos modelos apreendemos o bom e o mau. Mas mais importante que isso, às vezes nem notamos que enquanto estamos presos nos moldes estamos a abdicar de escolher quem e como queremos ser. Com as suas qualidades lidamos bem e são felizmente um bom legado familiar para o nosso futuro, mais preocupante são os seus defeitos e as cicatrizes que ficam nos filhos. Dependendo dos pais em questão podemos estar mais sujeitos ou menos à sua doença mental, à sua tirania, ou à sua fraqueza, à sua perversidade, à sua cobardia. Então e como é que isso entra em jogo quando conhecemos um parceiro amoroso?
Conhecer alguém leva tempo, e todos nós temos camadas, várias camadas que o tempo vai mostrando. Tendemos a pensar se a pessoa que conhecemos ou com quem estamos é parecida com o nosso pai/mãe pela camada mais óbvia, a caracterização geral e por isso muitas vezes esta comparação parece absurda.
O seu pai é surfista e o seu namorado é um nerd, por isso claro está que a teoria está errada ou não se aplica a si? Pois, mas não é da parecença física, nem de estilos, nem mesmo de personalidade de que falamos. A parecença de que falamos é a do tipo de comunicação que instalamos, a do lugar emocional em que essa outra pessoa nos coloca, é do “papel” que nos faz assumir por contraponto ao seu próprio papel. É da reacção que arranca de nós ao vincar ou diluir a sua própria acção. Sim, o seu pai é surfista e o seu namorado um nerd, não têm absolutamente nada a ver um com o outro, nem em personalidade nem em gostos, mas ambos a fazem sentir uma ignorante quando falam consigo. No lugar de ignorante podem estar várias outras palavras: má, infantil, culpada, desnecessária, ridícula, invisível, responsável por tudo. Olhando para os vários relacionamentos que teve, e em que esses homens talvez fossem aparentemente tão diferentes, o que eles a faziam sentir era ou não semelhante uns aos outros…?
A sua mãe é uma querida e a sua namorada tem mau feitio? Mas de maneiras diferentes ambas o fazem sentir-se sufocado. No lugar de sufocado podem estar muitas outras palavras: inútil, criancinha, mau da fita, egoísta, triste. E as namoradas anteriores geravam em si o mesmo tipo de sensação, ou sensações que se cruzam, ainda que de formas diferentes…? Mas mais do que como os outros o fazem sentir, os papéis em que se põe são sempre parecidos ou opostos? Evita o conflito ou ataca, deixa que o manipulem ou é um controlador por natureza?
Escolher alguém parecido com o pai ou com a mãe significa que tendemos instintivamente a procurar aquilo que conhecemos melhor, pessoas com personalidades que repetem este encaixe que já tivemos ao longo da vida. Muitas vezes é esta a razão pela qual repetimos vezes sem conta os mesmos erros ou, sem perceber bem porquê, as nossas relações estão sempre a dar errado. Estamos a repetir um modelo que não é saudável para nós sem nos darmos conta. Perceber isso é o primeiro passo, mudar o molde é essencial para sair da “roda”. Na vida adulta é essencial sermos pais de nós mesmos, para que possamos escolher verdadeiramente, sem cair em padrões amorosos familiares.