Viver num país novo traz desafios, viver num país novo com a obrigação de que a adaptação corra bem só resulta em frágeis adaptações. Aprende-se que devemos ser honestos connosco e com os outros, mas quando as dificuldades põem em causa a nossa segurança, um grande investimento, de repente entrar em contacto com a realidade deixa de ser bom.
Ouvimos muitas vezes pessoas que emigraram a falar das maravilhas do país de acolhimento, num exercício de “adivinhe as diferenças”, em que rapidamente tudo o que há em Portugal se torna mau quando comparado com o novo país. Como um navegador no tempo das Descobertas, a euforia de atracar em terras novas põe nos olhos o filtro positivo. Até aqui, está tudo certo, é comum e importante que a fase de descoberta seja boa, vibrante, enriquecedora, guiada pela curiosidade de uma nova cultura. Mas com o passar do tempo, é expectável a relativização, ou seja, que a animação com o novo modere e a falta do que se perdeu aflore. É expectável que a nossa preservação interna das memórias dê origem a saudade e a nostalgia. Não quer dizer que tenha que nos fazer querer voltar para onde viemos, mas sim, que nos faça regressar a um lugar onde a euforia seja substituída pela noção de que nenhum mundo é perfeito. Tanto o país de onde saímos como aquele onde chegamos tem defeitos e qualidades. Parte do processo de adaptação passa por conseguirmos precisamente lidar com este equilíbrio. A pouco e pouco tirar da rivalidade o país de origem e o país actual. Sermos capazes de sentir e de verbalizar o que não gostamos, o que nos é difícil e, simultaneamente, sermos capazes de apreciar o que é bom.
Nem sempre esta balança fica equilibrada. Há quem não se consiga adaptar de todo e sinta que o país de acolhimento é uma escolha pior e acabe por regressar ao país de origem. Há também quem fique nesse lugar em que tudo era mau e agora tudo é perfeito. Em alguns casos pontuais isso talvez seja real e justificável mas, na maioria, este “oito ou oitenta” é sinal de uma necessidade de hiper-adaptação, de uma teatralização da adaptação, para mostrar aos outros, mas sobretudo a nós próprios que tudo correu bem. Essa hiper-adaptação pode acontecer por vários motivos, mas de um modo geral a base é a mesma: o sofrimento. Acontece porque o país de origem – as histórias que lá se viveram – foi um local de muito sofrimento e a emigração uma imposição tão grande, uma fuga muito necessária a esse sofrimento. O país de origem passa a ser como um “pai mau”, que destratou, desvalorizou e abandonou o seu filho, deixando-lhe como única solucao “sair de casa”. Esta é uma ferida muito profunda que ataca a auto-estima e põe em causa a capacidade de acreditar que é possível seguir em frente.
Nestes casos, o novo país não se apresenta apenas como tal, como um país que visitamos e ao qual vamos dar uma oportunidade. Um país que iremos avaliar com o direito de escolher se nele queremos ficar ou não. Nestes casos, tudo se inverte e é aqui que nasce o perigo. Como se fosse o novo pais que tivesse o poder de nos avaliar, de nos aceitar ou não, ganhando assim o poder de reforçar ou desmentir os nossos fracassos anteriores. Como uma espécie de teste à razão do “pai”, o nosso país de origem. Um teste para ver se noutro lugar, noutro contexto é possível encontrar um “pai” melhor, uma nova valorização de nós mesmos. Deixa de ser apenas emigrar – não é só um país que está em jogo e toda a aposta que se fez e toda a esperança que se depositou em nós – é muita coisa.
Precisamos voltar a inverter a imagem e sair de avaliados a avaliadores, porque só nós sabemos onde nos sentimos bem e a nossa auto-estima não pode ficar presa à avaliação de uma tentativa. Há mais países e há diferentes experiências, nao há é capacidade de prever o futuro quando se escolhe. Quer o país onde agora estamos nos desagrade de todo ou, pelo contrário, tenha sido uma feliz escolha, estrangeiros que somos é importante poder falar-se, dar espaço às emoções que as diferenças nos causam. Porque é assim que a verdadeira adaptação começa.